sexta-feira, 14 de janeiro de 2011

Hoje (2)

Hoje chamaram. Havia que discutir o caso com o anatomo-patologista que lhe fez a autópsia. Desci as escadas. Entrei pela sala, enorme, forrada a alumínio. E ali estava ele. De abdómen e tórax aberto, orgãos dispostos meticulosamente na bancada. O miocárdio afectado, o cérebro anóxico, edematoso, que levou à morte cerebral.

E enquanto se falava da clínica, dos aspectos dos orgãos, não conseguia deixar de o olhar. Quem nunca viu um corpo morto nunca poderá sentir a sensação. De que se encontra vazio de vida, tão diferente dos filmes. Em que se sente que a alma já lá não está. Mas nele, não pude deixar de rever os sonhos, as alegrias. As brincadeiras de um jovem que não teve tempo de crescer. Nele jazia a tristeza de quem chora uma perda que não se preenche.

Descansa em paz, com a certeza que fizemos tudo o que sabíamos.

V.

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