Os médicos têm 2 facetas distintas.
Ontem disseram-me que existia um derrame
pericárdico para picar* . Levantei as
orelhitas (qual animal em busca da presa), esfreguei as mãos e lá fui eu saltitante. Não há volta a dar-lhe. Estas são as coisas que quem gosta de ser médico adora fazer: cortar, picar, acertar no diagnóstico mais raro...
E depois percebi que era um rapaz de 37 anos. Que tinha uma
Neoplasia do Pulmão e que aquele só poderia ser um derrame metastático. E aí ser-se médico é a pior coisa do Mundo: porque se sabe.
Porque eu sei que a
Izzie não pode viver muito com um
melanoma com
metastização cerebral. E essa é uma maldição que ganhamos quando nos tornamos médicos: a de saber. E enquanto todo o resto do Mundo pode acreditar que ela e o
Alex vivem felizes para sempre, nós sabemos que não. E tantas vezes as
Izzies são os nossos pais, os avós, os amigos, os irmãos, nós próprios....
E porque sou consciente da importância que a esperança tem na melhoria do prognóstico e da qualidade de vida dos meus doentes sigo 2 pressupostos na minha prática: 1)não minto; 2)não elimino a esperança.
Por isso quando ele me perguntou porque é que o derrame se tinha formado à volta do coração, respondi que só
poderíamos ter a certeza da causa quando
tivéssemos o
resultado citológico do líquido. Por isso sorri-lhe quando me disse que se sentia muito melhor. "Ainda bem", respondi.
E fechei a porta levemente atrás de mim:
com o coração na boca e o peso do Mundo na alma.* Já vos expliquei a técnica num blog vosso conhecido (chama-se pericardiocentese e pica-se o pericardio - uma membrana à volta do coração - para retirar líquido que lá se acumula.** Para dúvidas de palavreado técnico é só perguntar:)