quarta-feira, 28 de outubro de 2009

Desabafo


Tenho a sorte de fazer algo que amo. Não foi uma epifania que tive em jovem, não operava rãs na infância e não fazia pensos nas bonecas. Nunca fui fundamentalista nas minhas escolhas. Se não tivesse entrado no curso que entrei teria seguido outro rumo. No drama.


Mas fiz o percurso académico com um amor crescente pelo que faço. E hoje, ainda em formação (são uns longos 12 anos de percurso, actualmente no 10º) não me imagino noutro lugar.


E por isso me custa tanto ver que tantos têm, independemente das qualidades técnicas, tão pouco amor pelo que são.


Hoje estive numa reunião de serviço. Em que a discussão consistiu em como tornar possível que 4 médicos, entre exames, tivessem tempo de ver um doente da enfermaria. Um doente. E não era um por médico. Era mesmo um a dividir por quatro.


Não percebo. Arde-me na alma de interna uma forma de ser e de estar que não compreendo enquanto médica, enquanto profissional de saúde e enquanto ser humano. Acho que este problema não tem solução, meu caro director.


Porque não se podem colher flores nem arrancar folhas murchas, quando a origem da questão está nas raízes que não se vêm e às quais não se chega.

5 comentários:

Lucky13 disse...

Quando a falta de vontade de trabalhar atinge esse onto existem poucas coisas a fazer e uma delas é levantar-se e dizer com uma convicção que vem cá do fundo "Caros colegsa...vós não sois mais nem valeis mais que um monte de merda"
Tenho dito...

PB disse...

Tens toda a razão no que dizes. Adorei o post, Dra.
Beijinhos

Jo@ocupada disse...

Ao contrário de ti, eu sempre soube o que queria ser. Sempre ambicionei ter a profissão que hoje tenho e sempre admirei a nobreza desta classe a que agora pertencemos.

Mas a verdade é que sinto que a decepção aumenta de dia para dia. Não com o meu trabalho, porque amo o que faço e não me vejo a ter qualquer outra profissão no mundo, mas com a forma como muitas coisas se passam, nos enredos das novelas hospitalares.

Desespero a ver seres humanos a serem atirados como bolas de ping-pong, de especialidade em especialidade, enquanto se decide se a doença mais grave que o doente tem é a do coração, a da perna ou a do rim. Desespero a ver pessoas a terem 8 horas de espera na urgência, porque o médico que lhe olhou para a garganta e lhe mediu a glicémia, não sabe administrar insulina. Desespero a ver categorias académicas ou profissionais, apagarem humanidade de profissionais de saúde.

Mas a verdade é que o mais desesperante de tudo, é a ideia de que ainda somos pequeninas nestas andanças e que o que nos falta por crescer nos poderá algum dia tornar pessoas assim.

(I sure hope not!)

continuando assim... disse...

o anónimo...apesar de anónimo.... tem toda a razão!!

bj
teresa

Raquel C. Macias disse...

Eu penso que a medicina (como aliás qualquer profissão mas esta em particular) só deveria ser exercida por quem tem vocação e não apenas média... Parece-me que tu tens :)

Não podemos mudar a mentalidade dos outros mas podemos fazer sempre o nosso melhor. Força!