Hoje (2)

Hoje chamaram. Havia que discutir o caso com o anatomo-patologista que lhe fez a autópsia. Desci as escadas. Entrei pela sala, enorme, forrada a alumínio. E ali estava ele. De abdómen e tórax aberto, orgãos dispostos meticulosamente na bancada. O miocárdio afectado, o cérebro anóxico, edematoso, que levou à morte cerebral.

E enquanto se falava da clínica, dos aspectos dos orgãos, não conseguia deixar de o olhar. Quem nunca viu um corpo morto nunca poderá sentir a sensação. De que se encontra vazio de vida, tão diferente dos filmes. Em que se sente que a alma já lá não está. Mas nele, não pude deixar de rever os sonhos, as alegrias. As brincadeiras de um jovem que não teve tempo de crescer. Nele jazia a tristeza de quem chora uma perda que não se preenche.

Descansa em paz, com a certeza que fizemos tudo o que sabíamos.

V.

Hoje

Hoje sinto-me dormente. Digo muitas vezes que não transporto os meus doentes para casa comigo. Penso neles por vezes, mas procuro fazê-lo no melhor local, o de trabalho.

Mas hoje, trouxe um rapaz comigo. Veio de mão dada comigo no pensamento. Trouxe-o em peso no coração. Trouxe-o com a imagem dos pais.

Dizer a um pai que o seu filho de 23 anos não volta acordar é difícil. E ouvir uma menina a falar da vida que têm para começar, desfez-me a alma. Hoje.

At duty

Estou a trabalhar. Hoje e segunda. Para a próxima semana...idem...

How i love fins-de-semana prolongados.....

Update

Aqui estou eu a trabalhar com palitos nos olhos. Aceitam-se comentários para despertar.

Big Girl

Amanhã vou tomar conta de enfartes. Sózinha:)

Em directo do burgo

Aqui estou eu no buraco. STOP
Os doentes não param de chegar. STOP
Anda toda a gente com enfarte por estas terras. STOP
E escolhem a 2ª Feira. STOP
Espero que o Natal não calhe uma 2ª . STOP
Ou o Pai Natal também acaba por aqui caído. STOP
Mais as renas. STOP

PS: Tenho um corte de cabelo novo. STOP. Vai na volta é isso. STOP

Pedagogia Infantil

Eu acho piada a teorias de "conversar" com a criancinha, fazê-la entender que a picadinha no rabo não dói nada, passa logo, que vamos tirar fotografias ao coração e tudo e tudo e tudo. Acho uma especial piada quando a criança não incorporou primeiro o espírito demoníaco do filme do exorcista, revirando os olhos e o pescoço quando nos aproximamos.

(E para que conste, a teoria da conversa, por muito fofucha que seja, não funciona, ok?)

Se por acaso....

virem uma criancinha de 3 anos com olhar de diabo da Tasmânia a voar pela janela do 4º andar de um hospital perto de vós eu juro que não fui eu, ok?

Estou que não posso

F@d@-se. Estudei 18 anos da minha vida + 5 de internato para estar num estágio a ouvir, DURANTE UMA HORA, a discussão entre uma interna de Pediatria e uma dietista sobre se a criancinha deveria comer 45ml de leite + 5 ml de água em 7 mamadas ou 55 ml de leite+ 10 de água em 6....

Dar a mão à palmatória.

Vá, assumo. As minhas coleguinhas médicas de gente pequenina até são umas queridas.

E até eu não me reconheço. Ando com uma caneta com bonecos e já faço balões de luvas. Diz que isto pega. Mais uma semana e se derem por mim a vestir cor-de-rosa mandem-me internar.

Autoflagelo

E então perguntam vocês:

You- Onde vais amanhã?

Me - Trabalhar de manhã. Ver criancinhas.

You - E pagam-te ou tens direito a folga?

Me - Não.

You - E gostas de ver criancinhas?

Me - Não!

You - E porque tens de ser tu?

Me - Porque sou uma Otária!

Analogias médicas

Passámos uma tarde à procura de uma agulha* no palheiro**. Num palheiro que não tinha agulha.

* Foramen ovale patente
** Septo interauricular

Leaving - Rotterdam

Parto amanhã para Roterdão. Fiz uma mini mala, agarrei na máquina fotográfica e ipod. Não preciso de outra companhia. Preciso apenas de preencher a minha vida com novas cores, novos lugares e outras memórias.

Obrigada a todos pelo carinho.

Paper free

A primeira vez que ouvi falar da informatização dos hospitais fiquei em êxtase. UAU! Poupar árvores, ter acesso à informação toda de um doente independentemente da sua localização nesse mesmo hospital e, principalmente, sem ter de pedir um processo empoeirado que demora 1 dia a chegar, com camadas de cotão que me mexem cá com os receptores nasais.

E assim, com um passo (o meu pézinho de lã nº 35-36) no futuro, já me imaginava num hospital de ponta. E depois acordei.

E lembrei-me que, no nosso país se criam sistemas informáticos sem servidores capazes. Ou seja, para os leigos, aquilo que eu demoraria vá....2 minutos a fazer... demora agora 15m ou 30m. Dos quais 20m são para o computador ligar, abrir a sessão com o meu nome de utilizador, abrir o programa das análises com outra password, a folha de terapêutica com outra e o programa dos registos dos doentes com outra. Dois minutinhos extra para cada uma destas tarefas (caso o computador tenha passado uma noitinha descansada e despachado uma "queca" satisfatória com o servidor e o antivírus). E depois de tudo feitinho (ouvem-se campainhas e o hino nacional) IMPRIME-SE TUDO, TODOS OS DIAS!

(Perdoem-me o desabafo monótono, extremamente desinteressante mas, hoje, ia perdendo a cabeça e matando um HP.)

Hablar espanol

Perguntam vocês: mas onde anda ela?

E ela responde: em Barcelona. Uma viagem "toca e foge" para visitar uma unidade de cuidados intensivos cardíacos onde passarei 9 mesinhos. Ah, pois é.

Sinto-me, por uma lado, um pouco receosa. Vou lá amanhã e começar tudo de novo dá trabalho. Temos de provar tudo outra vez, com a agravante de ser em espanhol. E de nesta terra detestarem o Figo e o Mourinho.

As Ramblas estão boas e as batatinhas bravas continuam saborosas. Desta vez tenciono não perder o avião, vamos lá ver como a coisa corre....

E exclamam vocês: ela não foi ver o Papa. E eu respondo: Ah, pois não. É que aquilo lá por Fátima não é muito seguro. Diz que andam criancinhas a comer cogumelos alucinogénicos enquanto levam as ovelhas a pastar.

E, de qualquer forma, com tanto pecado, eram precisos três papas para me perdoar!

"Besos"

Chefinho

Sr. director:

Ouvi dizer que está retido na capital de um país distante. Uma maçada. Já pensei em emprestar-lhe a minha bicicleta da Shimano mas diz-se que não está habituado às 2 rodas. Ou isso ou uma bengalinha e pôr-se por aí numa valente caminhada por essa Europa fora, que tal? Diz que é assim uma aventura radical, daquelas que você gosta.

Também não percebo estas preocupaçõezinhas com as cinzas. Gente picuinhas. Aposto que o seu avião aguentava uma poeirazinha ou outra. Não quer experimentar?

Então até lá para o Natal, sim?

Beijinhos fofuchos.

Voltei

Podiam existir muitas formas de descrever as semanas que passaram e em que de alguma forma estive mais ausente mas, resumindo, foram uma merda.

Às vezes sentimos que vamos ficando sem forças como se o mundo inteiro tivesse decidido aterrar no centro da nossa cabeça ao mesmo tempo.

Hoje estou cansada. Estou triste também. E acordo, de manhã, com o profundo desejo de ficar a dormir o resto do dia.

E entao....

O que dizer a alguém que nos diz:

"Desculpa la tratar-te mal, não te ajudar, mas é para o teu bem."

E que, de preferência não seja "Vai à merda" ou "Vai para a grande puta que te pariu"?

Aceitam-se sugestões.

Ah e tal diz que é dos ovos

Cheguei agora do hospital, de uma noite não muito agitada. Uma jóia de banco. Acho a Sexta Feira Santa trouxe a calmaria e anda toda a gente a enfardar ovos e amêndoas lá por casa e a correr atrás dos coelhos sem tempo para doenças.

Ps: Já agora, algum de vocês come o ovo cozido do folar ou também não percebem a sua duvidosa utilidade?

I wish i was WILD

Existem momentos em que gostava de descer dos saltos e mandar os que me F%D# o juízo apanhar coentros. Ou alho francês. Ou qualquer outro vegetal, de rabo para o ar, correndo o risco de ter uma surpresa. Mas se há pessoa que nunca pia sou eu e depois fico assim, a roer-me porque não posso fazer o "Forward" e encaminhá-los todos para uma palavra feia qualquer.

Desde criança que teimo em ficar calada. E reparo agora que o meu maior acto de rebeldia foi aos 9 anos a subir as escadas do Corte Inglês, em Vigo, em sentido contrário. E depois espetei-me com os dentes nos degraus. E acabou-se a coragem por ali. Tenho cá para mim que se a aventura tivesse corrido bem era eu hoje uma pessoa diferente. Daquelas com P grande. Que não se importam se, por vezes, tiverem de descalçar os Louboutin* e pôr os devidos pontos nos "is".

* Vá, os Replay ou Proof, no meu caso.